As falcatruas dos delegados e agentes do "staff" do ex-superintendente da Polícia Federal de São Paulo e afilhado do ex-diretor-geral da Polícia Federal!!!

Revista Veja, 27 de Maio de 1992

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Extorsão federal

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Agentes da PF usam emigração de nisseis para extorquir dinheiro de empresas japonesas em São Paulo.

Ikegaya e sua agência de viagens na Liberdade: uma mordida de 23 000 dólares. Motonaga, dono da Tunibra: "Eles extorquem na rua, no aeroporto e até dentro da PF"
JOÃO FÁBIO CAMINOTO

Muita gente está ganhando dinheiro com a saga dos dekasseguis, como são conhecidos os 150.000 brasileiros de origem japonesa que nos últimos anos desembarcaram na terra de seus avós, dispostos a fazer um pé-de-meia em empregos temporários. Dinheiro suado — os dólares economizados pelos próprios imigrantes, em jornadas de trabalho pesado que costumam chegar a 12 horas por dia. Dinheiro fácil — as comissões, de 2.000 dólares por cabeça, em média, pagas pelos empregadores japoneses aos intermediários que contratam a mão-de-obra no Brasil. E dinheiro sujo — aquele que membros da Polícia Federal têm extorquido de agências de turismo ligadas à colónia japonesa em São Paulo, para fazer vista grossa a uma atividade proibida pela lei. O artigo 206 do Código Penal classifica como crime, punível com um a três anos de prisão, "aliciar trabalhadores para o fim de emigração". Os dekasseguis não são emigrantes no sentido tradicional, pois deixam suas famílias no Brasil e regressam depois de dois ou três anos de labuta no Japão. Mas, com receio de ser processadas, as agências aceitaram, por muito tempo, contribuir para a "caixinha" criada por uma quadrilha que opera na Polícia Federal e cujas dimensões apenas começam a ser mapeadas.

As mordidas variam entre 5.000 e 50.000 dólares, segundo as denúncias dos agentes de viagens. Revoltados com a impunidade da maioria dos acusados, os empresários lesados recorreram no início do ano à Corregedoria da Polícia Federal em Brasília, que enviou a São Paulo a delegada Neuza Batista Gulhelmelli, 2-  encarregada também de investigar outras falcatruas, como o envolvimento de policiais com doleiros que operam no mercado negro. O relatório da delegada, que chegou a se reunir duas vezes com os agentes de viagens da colônia japonesa, em março e em abril, já está em poder de seu superior na Polícia Federal, o corregedor Mário Cassiano Dutra. No relatório, constam informações suficientes para incriminar pelo

menos uma dezena de policiais.

"A QUEM DENUNCIAR?" — Mário Ikegaya, diretor da Univertur, uma das maiores agências do bairro da Liberdade, o reduto oriental de São Paulo, é um dos raros empresários que admite abertamente ter sido vítima de extorsão. Ele conta que, no final do ano passado, o delegado Antônio Manuel Costa irrompeu na Univertur junto com outros agentes da delegacia fazendária da PF e acusou a empresa de estar operando com dólar no mercado paralelo. "O delegado fez com que meus funcionários abrissem os cofres e retirou de lá 30.000 dólares e alguns milhões de cruzeiros", acusa o empresário.

Mais tarde, já na sede da PF, na Rua Antônio de Godói, Ikegaya conseguiu reaver  parte do dinheiro — mas a parcela maior, segundo ele, evaporou depois de passar pelas mãos do delegado Antônio Manuel Costa. "Eles devolveram só 7.000 dólares e ainda ficaram bravos quando perguntamos pelo resto. Mas o que podia-mos fazer? Denunciar a quem?", diz Ikegaya. Não é a primeira vez que o delegado Costa se envolve em encrencas desse tipo Juntamente com um ex-colega da delegacia fazendária, o delegado Marcus Vinícius Deneno, ele é acusado em inquérito policial pelo desvio de aparelhos de som que faziam parte de um contrabando apreendido pela PF de São Paulo.

Durante anos, os empresários nisseis se submeteram em silêncio à chantagem, que não poupava nem mesmo os agentes de viagens dedicados apenas à venda de passagens sem se envolver com a intermediação de mão-de-obra. Com os aviões que partiam três vezes por semana lotados de trabalhadores em busca do eldorado japonês, manter uma agência de turismo na Liberdade era uma atividade tão rentável que valia a pena abrir mão de migalhas de lucros para evitar dores de cabeça com policiais corruptos. Essa cumplicidade começou a ser rompida no final do ano passado.

Veja: parte 2 - continuação:

3-   Aos primeiros sinais de recessão, a indústria japonesa reduziu as horas extras praticadas pelos dekasseguis e diminuiu a contratação de mão-de-obra estrangeira. A queda do fluxo de emigrantes encolheu o lucro das empresas de turismo, mas as facadas continuaram no mesmo ritmo. Discretamente, como é de seu estilo, os empresários nisseis começaram a procurar advogados e se articular para enfrentar a máfia dos maus policiais. Alguns, mais corajosos, resolveram colocar a boca no trombone.

Kotaro Hashimoto, dono da Loyal Turisrno, virou um herói aos olhos da colônia, no início do ano, ao fazer a primeira denúncia pública. Seu escritório, segundo disse, recebeu no dia 6 de janeiro a visita de três agentes federais, que se identificaram como Moraes, Paulo e Emerson. Eles pediram 15.000 dólares para não enquadrar o empresário pelo crime de aliciamento. "Disseram que o dinheiro seria dividido com seus superiores", lembra Hashimoto. Como não havia dólares naquela hora, os policiais levaram um punhado de passaportes e um pacote com 500.000 ienes (10 milhões de cruzeiros ao câmbio atual). Os ienes e os passaportes seriam devolvidos no dia seguinte, mediante o pagamento dos 15.000 dólares. No dia 7 de janeiro, conforme o combinado, o advogado do empresário compareceu ao prédio da PF na Avenida Prestes Maia como se fosse fazer um negócio perfeitamente lícito. Pagou os 15.000 dólares, retomou os documentos, mas voltou sem os 500.000 ienes.

A apreensão de passaportes e até de passagens é um dos recursos mais usados pelos policiais corruptos para aumentar a pressão sobre as agências de viagens. Funcionários da Varig confirmam que muitas vezes tiveram de emitir novos bilhetes para passageiros com destino ao Japão, pois os originais tinham sido confiscados. O próprio aeroporto internacional de Cumbica, nos arredores de São Paulo, já foi palco de cenas de extorsão. Com a desenvoltura de burocratas em atividade rotineira, agentes da PF cobravam sua comissão na hora do embarque dos dekasseguis. No começo de 1991, época em que o êxodo para o Japão atingia o auge, os policiais corruptos cobravam dos agentes de viagens entre 100 e 500 dólares por passageiro.

ARQUIVAMENTO No dia 5 de fevereiro de 1991, Mário Tengan, proprietário da Maritur, teve que pagar 4.000 dólares para o agente Elmar, da Polícia Federal, para poder embarcar um grupo de viajantes para o Japão. "Ele me perguntou: todo mundo dá 100 dólares por passaporte, por que você não?", recorda Tengan. Numa atitude rara na época, Tengan decidiu denunciar a extorsão. Levou duas testemunhas à PF, reconheceu o policial ladrão e, por fim, conseguiu uma proeza notável: o agente Elmar foi demitido. O superintendente  da Polícia Federal em São Paulo, Marco 4-  Antônio

Veronezzi, garante que todos os casos de extorsão levados até ele estão sendo investigados. "Desde que não sejam anônimas, as denúncias são rigorosamente apuradas, doa a quemdoer", assegura.

O delegado Paulo Miyochi é um dos que já estiveram na mira de um inquérito. Acusado de extorsão pelos donos da Sun Life e da Naka Turismo, o delegado sofreu um processo disciplinar dentro da Polícia Federal. O caso acabou arquivado. Veronezzi já recebeu denúncias em seu próprio gabinete. Sérgio Morinaga, ex-deputado estadual e atual presidente da Associação dos Imigrantes no Brasil, afirma ter acompanhado o agente de turismo Akira Matsuda numa visita ao superintendente da Polícia Federal no início de 1991. Na ocasião, Matsuda relatou ter pago 15.000 dólares a um advogado que se dizia intermediário de Francisco Baltazar da Silva, delegado da PF encarregado de uma operação policial contra agências suspeitas de aliciamento de dekasseguis. Veronezzi determinou a abertura de uma sindicância, mais tarde arquivada. Mais uma vez, por falta de provas.

Na esteira das incursões de policiais corruptos pelo bairro da Liberdade, os agentes de turismo nipo-brasileiros criaram no ano passado duas entidades de classe. O objetivo era se defender dos achacadores ou, pelo menos, manter o pagamento das "comissões" num nível suportável. Gunki Motonaga preside um grupo composto pelas 21 maiores empresas. Proprietário da Tunibra, a maior agência, ele refuta a versão de que foi vítima de uma mordida milionária. Mas admite ter sofrido tentativas de extorsão. "Paga-se muito dinheiro, dinheiro demais", diz Motonaga. "Eles extorquem nas ruas, no aeroporto e dentro da própria PF", afirma. "Vendo o que eles fazem por aqui, tem-se a impressão de que todos os policiais federais são ladrões."

A outra associação, a Anav, com quarenta membros, reúne empresas menores, as vítimas mais frequentes dos achaques. Sua primeira atividade, em setembro do ano passado, foi uma reunião, no Rio de Janeiro, com o presidente da Varig, Rubel Thomas, e um executivo da Japan Air Lines. O objetivo: pedir a intervenção das duas empresas aéreas junto às autoridades em Brasília para pôr fim às extorsões. A procuradora da República em São Paulo, Cleide Cais, diz estar preocupada com as acusações, sejam elas procedentes ou não. "Nós precisamos da PF para o trabalho de investigação de crimes graves", explica. "A partir do momento em que a instituição é eivada de suspeitas, toda a base dos inquéritos que apuram esses crimes fica comprometida." Cleide Cais, que conversou com a delegada Neuza Gulhelmelli, a enviada da Corregedoria da PF de Brasília, revela que uma comissão de quatro procuradores da República vai instaurar nesta semana um inquérito policial para apurar as denúncias de extorsão. Doa a quem doer.

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