Folha de São Paulo, 19 de Fevereiro de 2000

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LETRAS JURÍDICAS

 

500 anos de propinas

WALTER CENEVIVA Colunista da Folha

 

1- Nem tudo foram belezas na história do serviço público nos 500 anos do Brasil Nessa série, em que, vez por outra, trato de nosso quinto centenário, chega a hora de dizer que casos de corrupção, vantagens indevidas e fraude eleitoral precederam o Brasil. São milenares.

Ingénuos e hipócritas afirmam a possibilidade de acabar com a corrupção dos agentes públicos. Negam a história. Na lei mosaica o juiz corrompido era punido com a flagelação. Em cidades gregas, com a morte. Essas sanções não impediram que a corrupção continuasse.

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2- O começo do povoamento trouxe para cá os autores de crimes graves, não puníveis com a morte, segundo as Ordenações Afonsinas, criadas sob Afonso V, substituídas em 1521 pelas Manuelinas, que deu lugar, quase no fim do século 16, às Filipinas (obra dos Felipes 1º e 2º).

Em matéria de corrupção, as três eram voltadas para condutas ofensivas à pessoa ou à autoridade do soberano, como se percebe lendo o livro 56 das Filipinas. Para combater a corrupção judicial, determinaram a "desembargadores e julgadores, e a quaisquer outros oficiais (...) (...) que não recebam para si nem para filhos seus nem para pessoas que debaixo de seu poder e governança estejam, dádivas algumas, nem presentes de pessoa alguma que seja, posto que com eles não traga requerimento de despacho algum". A pena era proporcional ao valor da peita (propina).

Se passasse de cruzado, o corrupto seria "degredado para o Brasil" por "todo o sempre".

Quanto aos advogados, nos séculos 16 e 17, aqui se repetia Shakespeare: para resolver os problemas do reino seria preciso matá-los, todos.

As custas já eram, nos anos 2600 e 1700, problema sério, tantas as cobranças excessivas, embora as Ordenações impusessem "a todos os oficiais da Justiça que não levem mais do que por seus regimentos lhes é ordenado", não podendo ser aceitas mesmo "que as partes lho queiram dar".

A proteção do meio ambiente, enquanto sistema organizado da defesa ecológica, é coisa do século 20. Todavia, há trezentos anos Felipe 2° punia "os que cortam 

3- árvores de fruto ou sovereiros ao longo do Tejo". 

A pena era dura, porquanto se o dano feito nas árvores pelo criminoso valesse "trinta cruzados". Daí para cima seria "degredado para sempre para o Brasil".

No século 18 a carga tributária sobre a mineração do ouro, a volúpia dos agentes fiscais, querendo enriquecer da noite para o dia, levaram os contribuintes à fraude e à corrupção ativa e passiva.

A Constituição Imperial de 1824 vedava abuso de poder e prevaricação dos juízes. Contra eles permitia, porém, ação popular por suborno, peita, peculato e concussão.

Com referência às penas, a Carta de 1891 apontava no rumo do abrandamento, proibindo as de morte, de galés (trabalhos forçados) e de banimento (expulsão do lugar de domicílio, para outro, a critério da autoridade).

O Código Penal de 1940 foi o primeiro a distinguir entre a solicitação pelo funcionário e o oferecimento pelo contribuinte de vantagem indevida para fraudar uma obrigação fiscal.

No campo eleitoral, no Império e na Primeira República nem era propriamente o caso de corrupção, no sentido atual, mas domínio aceito das oligarquias e de seus interesses.

A distorção ia do alistamento à contagem dos votos e à proclamação dos eleitos. A eleição era a fraude. Nesse campo se pode dizer, apesar de tudo, que melhoramos.

A dura constatação da perenidade da corrupção não nos dispensa de a condenarmos, de a punirmos, ainda quando sirva aos fariseus e aos falsos catões para se promoverem, eles mesmos tantas vezes também corruptos.

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Jornal da Tarde, 29 de Janeiro de 2000

Fiel Transcrição:

Sem motivos para comemorar

Quem tem motivos para comemorar os 500 anos do Brasil? A política imunda levou à falência os sistemas de saúde, educação, Previdência, segurança e o Judiciário. Má administração, falta de controle de natalidade e latifúndio improdutivo tornaram o País um oceano de miséria. Favelas, pessoas em busca de restos de comida, menores abandonados, violência e criminalidade têm como consequência prisões superlotadas, verdadeiros depósitos de presos. No aniversário de 500 anos, que o traidor FHC e seus aliados, que vêm dando continuidade a tudo isso, convoquem os ricos para comemorar. Para os miseráveis, tudo continuará igual ou pior do que antes. 

Tarcísio M. de Oliveira, Capital

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